quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

E para terminar a madrugada
um trecho de Castro Alves
muito recorrente em meus pensamentos
nos últimos dias:

"Leitor, se não tens desprezo
De vir descer às senzalas,
Trocar tapetes e salas
Por um alcouce cruel,
Que o teu vestido bordado
Vem comigo, mas … cuidado …
Não fique no chão manchado,
No chão do imundo bordel.


Não venhas tu que achas triste
Às vezes a própria festa.
Tu, grande, que nunca ouviste
Senão gemidos da orquestra
Por que despertar tu`alma,
Em sedas adormecida,
Esta excrescência da vida
Que ocultas com tanto esmero?
E o coração – tredo lodo,
Fezes d`ânfora doirada
Negra serpe, que enraivada,
Morde a cauda, morde o dorso
E sangra às vezes piedade,
E sangra às vezes remorso?…


Não venham esses que negam
A esmola ao leproso, ao pobre.
A luva branca do nobre
Oh! senhores, não mancheis…
Os pés lá pisam em lama,
Porém as frontes são puras
Mas vós nas faces impuras
Tendes lodo, e pus nos pés".

Fábulas que não são de Esopo

A cobra sibila pelo
chão de porcelanato.
Exibindo caras jóias
pelo corpo esguio.
E rebola a cobra,
enquanto sibila.
Seu esganiçado silvo
irrita e incomoda.

E a multidão aplaude
e a cobra mais feliz,
produz-se com outras
indumentárias.
E uma multidão de cobras
cegas a seguem.
Todas reboliças e sabidas.
E andam na mesma coreografia
desgastante e cansativa.

E uma multidão de cobras
hipócritas e vazias.
Sorriem, achando graça
daquilo que não entenderam.
E aplaudindo com as mãos
(que nem possuem)
Fazem festas pelos salões.





terça-feira, 20 de dezembro de 2011

C(B)asta


Em noites glamorosas
de plumas e paetês.
Trocas de roupas
e hipocrisia:
No salão dos débeis
culturistas, escorregam
caldas de vestidos.
E babam os dinossauros
(que extintos) insistem em continuar
aparecendo.

Ei-los, vivos e de olhinhos
vibrantes apreciando o bom
alimento cultural.
Que embalsama as nossas almas
eloquentes com vastos conhecimentos.

Venham, venham!
(grita o jornaleiro)
Cultura à vista!
E já se vê uma multidão
de zumbis descendo para
a beira da praia.

O boto(já sem cor)
sussura:
Pulem, pulem,
aqui dentro tem cultura!

Tibum!



   
Quisera um dia
compreender as manhas
da minha alma.
Compreender os caprichos
que me fazem ceder.
E as loucuras que passeiam
todos os segundos do dia
pela minha fronte.

Delicados olhos
e sorriso soberbo.
Piscava com a boca
e sorria com o olhar.
Sem receio, 
Romeu avançou 
para abraçá-la.
Que diria a velha
Censura sobre tudo isso?
Mesmo com indagações,
Romeu seguiu em frente.

Longos braços envolveram-na
E sua respiração 
começou a falhar.
Forte aperto corroeu
as vísceras de Romeu.
Não podia.
Tentou.
Forçou.
mas não podia.

Suas mãos tremulavam
como bandeira no mastro.
E seu coração o mesmo tanto.
Queria.
Mas era incapaz de esquecer.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Mas o tempo deixou passar
deixou as mãos trêmulas
e as pernas frágeis.
Mas a memória
pulsante,
viva.

Não,
o tempo se foi.
Envelhecemos de não
dormir nossas noites perdidas.
Nunca parou de castigar nossas mãos
Não voltaremos ao primeiro dia nem às mesmas sensações.



quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Sufoco.
Sem ar.
Asfixiado
caminhou por alguns instantes
apoiando-se nas paredes,
nos muros,
nos becos.
Romeu havia sufocado.
Preso pelas convenções.
Rígido.
Sozinho.
Perdido.
Continuou sua trôpega
caminhada noturna.
Escorregando.
Perdendo-se.
Fingindo.
A alegria muito antes perdida.
Escorreu pelas frestas dos bueiros.

E...

Romeu sumiu na escuridão do beco.








domingo, 13 de novembro de 2011

Para que explicar a poesia?
Se poesia é um aglomerado
de todos os sentimentos
guardados dentro de si
e de nenhum sentimento
ao mesmo tempo?
Vinha descendo a rua
no silêncio da cidade.
Passos ruidosos
invadindo o asfalto.
Calma e respiração ofegante.
Romeu caminhava.
Cuspiu a fumaça pra
Fora da boca.
Olhos mórbidos de saudade
Longa parada na esquina,
o vulto magro projetava sombra
nas paredes dos prédios.
Romeu, caminhava
carregando sua dor
pelas ruas moribundas
da cidade. 
Senti saudades de escrever
esta manhã quando toquei
na poeira da escrivaninha.
Um desejo constante
E aconchegante de escrever.
Depois se tornou febre,
por último, loucura.


A beleza é um estado transitório: uma pessoa perde 50% da beleza quando mente e os outros 50% quando a mentira é descoberta!

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Bombardeio de pensamentos.
Vontade de nada.
Somente o tempo rege sua dor.
E ninguém pode ajudar.
Ah, se Romeu soubesse...
Se ele soubesse que
o tempo não volta.
Que o tempo é um inimigo
fingido que nos segue.
Se o presente parasse
e o futuro chegasse
perto, bem perto do passado
Se Romeu soubesse...
Se ele soubesse
jamais teria tomado
aquele drink no saguão.
Nunca teria fitado aqueles olhos
e apaixonado-se por aquele sorriso.

domingo, 16 de outubro de 2011

A guerra quer matar o poeta
com sua lança primitiva.
Secou o coração do poeta
Bombardeou suas palavras.
Mas o poeta não morre,
Vira rocha.
É cedo.
É ainda muito cedo
pra entristecer.
A alvorada é recente
Mas o calor da aurora
esfria somente.

É cedo
e mais seguro
que afaste-me do perigo.
Que fuja por entre vales
pelos riachos
por mares.

Antes da hora temida
antes da noite sombria
o orvalho desce frio
sobre as pétalas caídas.
Mantenha a cama vazia
e o lençol mais macio.
Voraz
espalhou todos os papéis
que havia sobre a mesa.
Enfiava a mão em seus cabelos cheios
e tufos caiam pelo chão.
Romeu perdera a serenidade.
O cigarro entre os dedos trêmulos
choro sufocado
entre nariz e olhos.
Olhos de fera
Todo o sangue do corpo
se depositara ali.
Romeu perdera a serenidade.



Sinto-me como Midas:
Que em tudo que toca
Reluz
Midas, teu dom foste
tua verdadeira desgraça!

É cinza, pó e vaidade.
O toque dos dedos suaves.
É veneno
Pecado.


Jardim


    Apontava, na entrada do portão, uma flor amarela. Timidamente, nascia com suas pétalas invasoras. O homenzinho de macacão sujo e esverdeado, caminhava com sua espátula sempre em punho, quando parou diante do portão. Observou por um instante aquela amostra de uma teimosia insistente. Outra vez, lá estava, com suas pequenas pétalas brotando do chão.
O homenzinho abriu um sorriso curto: “aí está você de novo”, pensou. Abaixou-se. Meteu sua espátula em volta da planta e arrancou-a pela raiz. Tomou seu frágil caule envolto em um montinho de terra e enquanto apertava-a, entre seus dedos, foi caminhando. Aqueles dedos grossos cheios de marcas do trabalho. Mãos pequenas e castigadas. Precisas.
Largou-a num canto. E colocou-se a cavar. Enfiava a espátula na terra e arrancava montes e montes e com as mãos ia ajeitando a cova. Tomou a flor mais uma vez em suas mãos, depositou-a lá dentro. Cobriu-a com uma grande quantidade de terra. Chacoalhou um punhado de água sobre ela e saiu. Assoviando, deslizou passo a passo pelo corredor tocando as pernas sujas do macacão em centenas de pétalas que se seguiam por todo o jardim, insistentemente.    

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Na esquina,
Parado
Encostado no muro
Sozinho com suas lembranças,
Romeu enganava a dor.
Com um copo de Wisky,
Esquetando o frio
De seu olhar.
Sem esperança alguma de sonhar.
Deitou suas lembranças no muro acinzentado
E foi pela rua deserta.
Os sentimentos estão mortos
Vítimas de um crime passional.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Gládio

Noite sombria de primavera fria
Espectros no lodo se enlaçam
Remexendo de sonhos os musgos milenares.
Desfigurados monstros apodrecem na folhagem
E revivem a dor que os aprisionou.
Nada possuem se não os restos,
Montanhas de lama e escuridão
E, no limo, vão  retorcendo-se em gestos
Que dizem da alma a perdição.
E a luz que guia todo pensamento
Na negra escuridão mostrou sua face
E as estrelas e os astros de encantamento
Curvaram os olhos para que passasse.
Negrume e luz de gládio cruel,
O lume em perigo de morte.
A treva movendo seu pincel,
fumaçando o brilho, retalhado em cortes.
Engolindo com furor os lumes
Convidando a claridade à treva
A luz fugindo do negrume
Declamando com voz que se eleva.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

CULINÁRIA

Ameaço pular de cima
do muro da minha casa,
mas ninguém me vê!
Ateio fogo em meu cabelo,
e fico careca de dor!
Uma poção de horror,
uma pitada de desamor,
meia xícara de angústia,
e uma medida e meia de solidão!
Uma receita perfeita
para assar no forno gelado
o bolo-mofo da vida!

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

O poema não quer ser decifrado.
Deixa-o em paz.
Não faça conjecturas e insinuações.
Não deduza.
Não torture o signo.
Nada pode ser tirado dele,
que não o prazer de lê-lo.
O poema está lá,
só e estático na folha.
Deixa-o repousar
sobre a superfície
dos pensamentos.
Tranquilo e sereno.
Não o julgue.
Não decifres o poema.
Leia-o apenas.
Sem intensões ou
lembranças conexas.
O poema nada pede,
Nada deseja.
O poema quer apenas ser lido.




Poemas da Boca Pra Fora por Núbia Rodrigues e Valdete Sousa

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Por trás daquele sorriso havia uma máscara negra.
Sob olhos infantis e lábios convidativos,
Negros espectros saindo como larvas.

Um outro ser que nunca se mostrara
surgiu, voluptuoso e gentil,
oferecendo o inferno
à primeira mão que o tocara.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Janelas enormes se abriam para a luz
Que entrava feroz feito punhais nos olhos de Romeu.
Sombrios olhos de quem oculta segredos
Na escuridão dos salões da casa.
Colado na cadeira de balanço da avó,
Fumando, lentamente, meia dúzia de palavras
mortas na saliva.
Sua boca de cofre ignorou meus pedidos
e não denunciou nada.
Tasquei-lhe um beijo sugado
que barulhou pelos cômodos vazios...
Fiz chacoalhar a velha cadeira de balanço
até você se perder...
Fiz apagar o cigarro de palavras mortas.
Nada mais interessa.
Apenas ouço o som dos suspiros
abafados pelas mãos.
Do ranger interminável da cadeira.
E de seus monossílabos em meus ouvidos.

  

terça-feira, 6 de setembro de 2011

...e assim por horas seguidas
passei a imaginar;
se o tempo parasse,
se o dia nunca terminasse,
se a vida mudasse.
Mas, nunca parou.
Nunca parou...

domingo, 4 de setembro de 2011

Piercing

Zeca Baleiro


"Quando o homem inventou a roda
logo Deus inventou o freio,
um dia, um feio inventou a moda,
e toda roda amou o feio"

Tire o seu piercing do caminho
Que eu quero passar
Quero passar com a minha dor.
Pra elevar minhas idéias não preciso de incenso
Eu existo porque penso
tenso por isso existo
São sete as chagas de cristo
São muitos os meus pecados
Satanás condecorado
na tv tem um programa
Nunca mais a velha chama
Nunca mais o céu do lado
Disneylândia eldorado
Vamos nós dançar na lama
Bye bye adeus Gene Kelly
Como santo me revele
como sinto como passo
Carne viva atrás da pele
aqui vive-se à míngua
Não tenho papas na língua
Não trago padres na alma
Minha pátria é minha íngua
Me conheço como a palma
da platéia calorosa
Eu vi o calo na rosa
eu vi a ferida aberta
Eu tenho a palavra certa
pra doutor não reclamar
Mas a minha mente boquiaberta
Precisa mesmo deserta
Aprender aprender a soletrar
Tire o seu piercing do caminho
Que eu quero passar
Quero passar com a minha dor.

Não me diga que me ama
Não me queira não me afague
Sentimento pegue e pague
emoção compre em tablete
Mastigue como chiclete
jogue fora na sarjeta
Compre um lote do futuro
cheque para trinta dias
Nosso plano de seguro
cobre a sua carência
Eu perdi o paraíso
mas ganhei inteligência
Demência, felicidade,
propriedade privada
Não se prive não se prove
Dont't tell me peace and love
Tome logo um engov
pra curar sua ressaca
Da modernidade essa armadilha
Matilha de cães raivosos e assustados
O presente não devolve o troco do passado
Sofrimento não é amargura
Tristeza não é pecado
Lugar de ser feliz não é supermercado
Tire o seu piercing do caminho
Que eu quero passar
Quero passar com a minha dor.

O inferno é escuro
não tem água encanada
Não tem porta não tem muro
Não tem porteiro na entrada
E o céu será divino
confortável condomínio
Com anjos cantando hosanas
nas alturas nas alturas
Onde tudo é nobre
e tudo tem nome
Onde os cães só latem
Pra enxotar a fome
Todo mundo quer quer
Quer subir na vida
Se subir ladeira espere a descida
Se na hora "h"o elevador parar
No vigésimo quinto andar
der aquele enguiço
Sempre vai haver uma escada de serviço
Tire o seu piercing do caminho
Que eu quero passar
Quero passar com a minha dor.

Todo mundo sabe tudo todo mundo fala
Mas a língua do mudo ninguém quer estudá-la
Quem não quer suar camisa não carrega mala
Revólver que ninguém usa não dispara bala
Casa grande faz fuxico quem leva fama é a senzala
Pra chegar na minha cama tem que passar pela sala
Quem não sabe dá bandeira quem sabe que sabia cala
Liga aí porta-bandeira não é mestre-sala
E não se fala mais nisso
Mas nisso não se fala
E não se fala mais nisso
Mas nisso não se fala
E não se fala mais nisso
Mas nisso não se fala
E não se fala mais nisso
Mas nisso não se fala
Tire o seu piercing do caminho
Que eu quero passar
Quero passar com a minha dor.

sábado, 3 de setembro de 2011

Romeu falava em disparada
não só com a boca,
mas, também com os olhos.
Entristeceu de repente.
Seus olhos serraram-se.
Vi suas pálpebras murcharem,
Vi as lágrimas surgindo,
Vi a luta entre deixar correr o líquido
e sufocá-lo, sufocá-lo...
Disfarçadamente, sorriu.
Riso amarelo,
riso indesejado.
Não, não quero.
Desejei fugir para longe.
Desejei nunca tê-lo conhecido.
Desejei afagá-lo,
Confortar sua dor.
Mas não pude.
Não me deixou entrar, Romeu...
Entrar em seus pensamentos.
Serrou a porta de sua vida.
Sai sem olhar para trás.
Com um pedaço a menos no corpo.
E uma enorme dor a mais.
Romeu, ah, Romeu!
Não tenho a chave.

Dor, dor e dor.
Um pouco mais de dor.
E pronto.
Fechou a porta
Sufoco, sufoco e...
sem ar.
Morto, morto.
Menos vida.
Mais dor.
Sangue congelado.
Àgua nas veias.
Álcool na alma.
Parou.
Paralisou os membros.
Morto, morto.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Romeu não disse que estava brincando.
Não disse que não se envolveria.
Olhou-me nos olhos bem fundo...
No fundo do olhar de Romeu
Nada decifrei, nada pude desvendar
dos seus mistérios.
Fui devorada!
Não disse para não desmanchar
em suas mãos, em seu toque.
A ilusão entrou pela janela do meu quarto
e se alojou entre meus lençóís.
Romeu nada disse.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Panis et circenses (Caetano Veloso – Gilberto Gil)

http://www.youtube.com/watch?v=BYibDbcb4yI

Eu quis cantar
Minha canção iluminada de sol
Soltei os panos sobre os mastros no ar
Soltei os tigres e os leões nos quintais
Mas as pessoas na sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer

Mandei fazer
De puro aço luminoso um punhal
Para matar o meu amor e matei
Às cinco horas na avenida central
Mas as pessoas na sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer

Mandei plantar
Folhas de sonho no jardim do solar
As folhas sabem procurar pelo sol
E as raízes procurar, procurar

Mas as pessoas na sala de jantar
Essas pessoas na sala de jantar
São as pessoas da sala de jantar
Mas as pessoas na sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Preparei-lhe uma mesa para encher a vista.
Em toalha branca de renda, frutas coloridas:
Rubros morangos entre uvas verde-limão...
E salpiquei sob tudo gotas do meu prazer.
Foi assim, Romeu, que te conheci em meus sonhos.
Assim mesmo nos amamos na grama do parque
Quem poderia saber que nunca mais te reconheceria?
Teu rosto se misturou ao passado,
e, é agora um borrão de nuvens negras.
Molha-me, Romeu, com teus lábios picantes.
Aviva em mim a memória perdida
entre as folhas do gramado. 


Não há nada mais a ser feito.
Perdeu-se por completo.
Afundado no colchão, entre os lençóis,
lá estava Romeu com rosto pálido
de sofrimento e prazer...
Lá estava o que sobrara de Romeu
Preso pelos punhos e solto pelo gozo...
Nada mais conseguiu fazer.
Irresistivelmente, serrou os olhos
e perdeu-se pelos encantos de Morfeu,
Madrugada inteira sonhando com uma ninfa
Ou uma maníaca que lhe dissecara pele e osso.
Como o carimbo de um reinado
marca vermelha no fundo da taça.
Restos de uma noite, apenas.
O gosto do vinho ficou,
o sal da tua pele, ficou, o cheiro
impregnado em meu corpo.
Simbologias de amargas lembranças,
súbita sensação de derrota.
Venceu-me teu olhar,
este que exerce um frio domínio
sobre meu corpo, exageradamente latejante...
Molhado, suado de desejo, mas morto,
sufocado pela culpa...
Nada me disse sua boca,
Porém os olhos me revelam
segredos muito íntimos.
Duas janelas abertas ao infinito,
Buracos negros sugando a minha soberania...
Tão gigante perto de outros
e frágil, frágil, frágil ao seu lado.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011


Entrava pelo corredor uma fresta de luz
iluminando a estranheza no olhar de Romeu.
Repassado de agonia,
furando o chão da sala com seus passos largos.
Nunca disse nada, apenas caminhou
entre gestos e pensamentos solitários.

Encostada na soleira da janela,
com o rosto embriagado de lágrimas,
observava, sem nenhuma esperança.
O chão engoliu Romeu,
O vento soprou a fumaça de seu cigarro,
O tempo devorou a beleza.


sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Sobre a Fidelidade

Não fitou-me nos olhos. Olhando de lado murmurou duas ou três palavras sobre amigos e um jogo. Foi direto para quarto. O chuveiro soou ruidosamente seus pingos no chão. Roupas e carteira reviradas. Os estilhaços da taça no chão. Vinho desperdiçado. Silêncio. 

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Chegou bem de fininho, suave, quase imperceptível.
Se ajeitou num cantinho, silencioso.
Nenhuma palavra, nada disse Romeu.
Apenas me tomou por completa.
Sem argumentos ou explicações.
Fiquei amolecida... perdida em horas de pensamentos.
...  passei a ouvir um blues e um desejo incontrolável entrou pela boca.
e o gosto da fumaça descia pela garganta quente e dilacerada pelo wisky barato.
Enquanto o mundo caminhava freneticamente com seus dilemas fúteis.
O blues teve fim como tudo, tudo que agrada...

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Sobre a Solidão...

De manhã suporto bem, até gosto.
À tarde... pode ser uma boa companheira.
Mas, à noite sempre me tira o sono
e consome horas madrugada a dentro.

sábado, 13 de agosto de 2011

Sem Enfeite Nenhum

Adélia Prado, a poeta do cotidiano
Adélia Prado

A mãe era desse jeito: só ia em missa das cinco, por causa de os gatos no escuro serem pardos. Cinema, só uma vez, quando passou os Milagres do padre Antônio em Urucânia. Desde aí, falava sempre, excitada nos olhos, apressada no cacoete dela de enrolar um cacho de cabelo: se eu fosse lá, quem sabe?
Sofria palpitação e tonteira, lembro dela caindo na beira do tanque, o vulto dobrado em arco, gente afobada em volta, cheiro de alcanfor.
Quando comecei a empinar as blusas com o estufadinho dos peitos, o pai chegou pra almoçar, estudando terreno, e anunciou com a voz que fazia nessas ocasiões, meio saliente: companheiro meu tá vendendo um relogim que é uma gracinha, pulseirinha de crom', danado de bom pra do Carmo. Ela foi logo emendando: tristeza, relógio de pulso e vestido de bolér. Nem bolero ela falou direito de tanta antipatia. Foi água na fervura minha e do pai.
Vivia repetindo que era graça de Deus se a gente fosse tudo pra um convento e várias vezes por dia era isto: meu Jesus, misericórdia... A senhora tá triste, mãe? eu falava. Não, tou só pedindo a Deus pra ter dó de nós.
Tinha muito medo da morte repentina e pra se livrar dela, fazia as nove primeiras sextas-feiras, emendadas. De defunto não tinha medo, só de gente viva, conforme dizia. Agora, da perdição eterna, tinha horror, pra ela e pros outros.
Quando a Ricardina começou a morrer, no Beco atrás da nossa casa, ela me chamou com a voz alterada: vai lá, a Ricardina tá morrendo, coitada, que Deus perdoe ela, corre lá, quem sabe ainda dá tempo de chamar o padre, falava de arranco, querendo chorar, apavorada: que Deus perdoe ela, ficou falando sem coragem de aluir do lugar.
Mas a Ricardina era de impressionar mesmo, imagina que falou pra mãe, uma vez, que não podia ver nem cueca de homem que ela ficava doida. Foi mais por isso que ela ficou daquele jeito, rezando pra salvação da alma da Ricardina.
Era a mulher mais difícil a mãe. Difícil, assim, de ser agradada. Gostava que eu tirasse só dez e primeiro lugar. Pra essas coisas não poupava, era pasta de primeira, caixa com doze lápis e uniforme mandado plissar. Acho mesmo que meia razão ela teve no caso do relógio, luxo bobo, pra quem só tinha um vestido de sair.
Rodeava a gente estudar e um dia falou abrupto, por causa do esforço de vencer a vergonha: me dá seus lápis de cor. Foi falando e colorindo laranjado, uma rosa geométrica: cê põe muita força no lápis, se eu tivesse seu tempo, ninguém na escola me passava, inteligência não é estudar, por exemplo falar você em vez de cê, é tão mais bonito, é só acostumar. Quando o coração da gente dispara e a gente fala cortado, era desse jeito que tava a voz da mãe.
Achava estudo a coisa mais fina e inteligente era mesmo, demais até, pensava com a maior rapidez. Gostava de ler de noite, em voz alta, com tia Santa, os livros da Pia Biblioteca, e de um não esqueci, pois ela insistia com gosto no titulo dele, em latim: Máguina pecatrís. Falava era antusiasmo e nunca tive coragem de corrigir, porque toda vez que tava muito alegre, feito naquela hora, desenhando, feito no dia de noite, o pai fazendo serão, ela falou: coitado, até essa hora no serviço pesado.
Não estava gostando nem um pouquinho do desenho, mas nem que eu falava. Com tanta satisfação ela passava o lápis, que eu fiquei foi aflita, como sempre que uma coisa boa acontecia.
Bom também era ver ela passando creme Marsílea no rosto e Antissardina n° 3, se sacudindo de rir depois, com a cara toda empolada. Sua mãe é bonita, me falaram na escola. E era mesmo, o olho meio verde.
Tinha um vestido de seda branco e preto e um mantô cinzentado que ela gostava demais.
Dia ruim foi quando o pai entestou de dar um par de sapato pra ela. Foi três vezes na loja e ela botando defeito, achando o modelo jeca, a cor regalada, achando aquilo uma desgraça e que o pai tinha era umas bobagens. Foi até ele enfezar e arrebentar com o trem, de tanta raiva e mágoa.
Mas sapato é sapato, pior foi com o crucifixo. O pai, voltando de cumprir promessa em Congonhas do Campo, trouxe de presente pra ela um crucifixo torneadinho, o cordão de pendurar, com bambolim nas pontas, a maior gracinha. Ela desembrulhou e falou assim: bonito, mas eu preferia mais se fosse uma cruz simples, sem enfeite nenhum.
Morreu sem fazer trinta e cinco anos, da morte mais agoniada, encomendando com a maior coragem: a oração dos agonizantes, reza aí pra mim, gente.
Fiquei hipnotizada, olhando a mãe. Já no caixão, tinha a cara severa de quem sente dor forte, igualzinho no dia que o João Antônio nasceu. Entrei no quarto querendo festejar e falei sem graça: a cara da senhora, parece que tá com raiva, mãe.

O Senhor te abençoe e te guarde,
Volva a ti o Seu Rosto e se compadeça de ti,
O Senhor te dê a Paz.

Esta é a bênção de São Francisco, que foi abrandando o rosto dela, descansando, descansando, até como ficou, quase entusiasmado.

Era raiva não. Era marca de dor.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Ana C.

Tu Queres Sono: Despe-te dos Ruídos

Ana Cristina César, a musa da poesia marginal brasileira
 
Tu queres sono: despe-te dos ruídos, e
dos restos do dia, tira da tua boca
o punhal e o trânsito, sombras de
teus gritos, e roupas, choros, cordas e
também as faces que assomam sobre a
tua sonora forma de dar, e os outros corpos
que se deitam e se pisam, e as moscas
que sobrevoam o cadáver do teu pai, e a dor (não ouças)
que se prepara para carpir tua vigília, e os cantos que
esqueceram teus braços e tantos movimentos
que perdem teus silêncios, o os ventos altos
que não dormem, que te olham da janela
e em tua porta penetram como loucos
pois nada te abandona nem tu ao sono.
.................................................................................................................................................

Deus na Antecâmara - Ana Cristina Cesar

Mereço (merecemos, meretrizes)
perdão (perdoai-nos, patres conscripti)
socorro (correi, valei-nos, santos perdidos)

Eu quero me livrar desta poesia infecta
beijar mãos sem elos sem tinturas
consciências soltas pelos ventos
desatando o culto das antecedências
sem medo de dedos de dados de dúvidas
em prontidão sangüinária

(sangue e amor se aconchegando
hora atrás de hora)

Eu quero pensar ao apalpar
eu quero dizer ao conviver
eu quero partir ao repartir

filho
pai
e
fogo
DE-LI-BE-RA-DA-MEN-TE
abertos ao tudo inteiro
maiores que o todo nosso
em nós (com a gente) se dando

HOMEM: ACORDA!


Todas as manhãs seguro a xícara entre os dedos para sentir o calor do café.
E deixo escorrer entre as mãos a sua presença.
Romeu foi embora sem dizer adeus,
saiu de fininho na madrugada.
O tapete ficou preenchido de almofadas,
coberto de lembranças... de seu cheiro.
Ninguém disse que seria o último banho,
o vidente previu coisas diferentes.
Romeu, ah! Romeu.
Os papéis revirados na mesa falam de seu adeus.
As unhas roídas pelo chão.
O pó do grafite aponta o final.
Nada foi mudado,
a xícara permanece no mesmo lugar.
A cafeteira empoeirada sob o balcão
sente sua falta.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Pensando bem, ando rodeada de bons fluidos.
Mente fertil e corpo insano...
Por mais que queira entristecer
é impossível.
Felicidade em cada molécula do corpo.
Bolinhas de champagner fazendo cócegas no rosto
E pena na sola do pé... torturante, deliciosamente, torturante.
O sabor da seda tocando as pernas.
O gosto do perfume cítrico.
O cheiro dos sons desta voz.
Torturante, sim, mas delicioso.
Nada que disser vai ferir meu corpo.
Nenhuma palavra tua pode causar-me danos.
As janelas se abrem e fecham com o vento.
E as sombras das árvores brincam com a luz.
Uma revoada de araras passam e meus olhos fixos
não se perdem.
Um pequeno corte no dedo e só.
Dor pequena que passa rápido.
São só palavras que se perdem no tempo.
Palavras duras que batem na blindagem do meu rosto.
Nada que disser, nada, poderá ferir meu corpo.

sábado, 6 de agosto de 2011

Tinha muito a dizer, mas como não quisesse ouvi, calei-me.
Ignorou meus pedidos e me deixou encharcada de desejo, dormi.
Virei a noite ouvindo discos velhos, entre um espirro e outro, uma taça de vinho.
Fazia frio fora e dentro de mim.
Intermináveis as horas passaram, mas não vi o sol chegar.
Li poesias insanas que me entorpeceram a mente e me puseram louca.
Louca eu fico sempre quando você se vai.
A espera, sempre a espera de um gesto ou um olhar.
A espera, a espera de poder ir além do previsível.
Falo sempre primeiro e da mesma maneira me calo.
Me calo, pois não vou mais esperar,
Calo e fico com olhar fixo num ponto qualquer.
Qualquer ponto que não seja o seu olhar.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Espreitava-me do bosque em frente de casa. suor escorreu pelos dedos e uma pedra de gelo brotou no estômago. acho que o restante dos órgãos também congelaram. no escuro, do outro lado da rua, fitando-me. Romeu sempre Romeu por detrás das árvores tentando se esconder. esgueirando-se pelas folhas secas. tentando filmar as imagens presas em meus sentidos.

Cidadezinha Fantasma

As esquinas estão vazias e voam papéis avulsos por toda a avenida. As crianças desmoronaram dos precipícios e as mulheres desceram na enxurrada.
A rua vazia e o sopro forte do vento batendo nas janelas pintadas de amarelo e a poeira invadindo as casas pelas frestas.
Um coração pulsando jogado no asfalto quente. vermelho-sangue, rosa-neon, amarelo-manga. tum,tum... bate a porta na tramela.
Pulsa forte o coração sob o sol de agosto quente.

domingo, 17 de julho de 2011

De novo, Ana C.

Também eu saio à revelia
e procuro uma síntese nas demoras
cato obsessões com fria têmpera e digo
do coração: não soube
e digo da palavra: não digo (não posso ainda acreditar na vida) e demito o verso como quem acena
e vivo como quem despede a raiva de ter visto.
Ana Cristina Cesar


Acreditei que se amasse de novo
esqueceria outros
pelo menos três ou quatro rostos que amei...
organizei a memória em alfabetos
como quem conta carneiros e amansa
no entanto flanco aberto não esqueço
e amo em ti os outros rostos.


Ela sempre me envolvendo
em suas linhas tortas
Sempre me ensinando a viver,
a amar
Ana C. sempre em tudo
Me trazendo lembranças
do cotidiano, do agora
do ontem.
Sempre, Ana C.
(Butterfly)

domingo, 3 de julho de 2011

Sentada no canto espreitava o tempo passar
sem nenhuma intensão ou vontade.
vendo imagens de pedras e águas passando...
lá do outro lado da sala
Romeu sentado espreita meus olhos
lendo as imagens dentro dos meus pensamentos.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Vida, vida, vida.
Para que tanta vida?
Pergunto ao tempo
e ao papel.

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Vazio e profundo.
Oco... Oco...
Eco... Eco...
Sons de Nada.
E Silêncio Total .

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Poema ao contrário

Na varanda, Romeu olhava fixamente para o nada.
Da cozinha fiquei espreitando seus olhares.
Tento entender a traição.
Queria saber mentir.
Quero aprender trair.



domingo, 10 de abril de 2011

ANA C.

CIÚMES
Tenho ciúmes deste cigarro que você fuma
Tão distraidamente.
Abril/68
 Tenho uma folha branca
e limpa à minha espera:
mudo convite
tenho uma cama branca
e limpa à minha espera:
mudo convite
tenho uma vida branca
e limpa à minha espera.
5.2.69

Sinto falta de um tempo
Que não vivi.
Sinto desejos guardados nas salas secretas
de minha cabeça.
Mas confesso que Ana C. é minha heroína.
E José Régio meu ópio. 
(Butterfly)

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Na captura... De novas formas de sentir
Maneiras mais doces e delicadas de viver
Essência pura de amor:
Sem misturas ou temperos.
Sem limites.
que estraguem o verdadeiro sabor desta bebida.
sem rumos ou passado.
Apenas sentir e deixar fluir esta delícia de frescor.
Este dulcíssimo cheiro de frutas vermelhas.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Estes últimos dias ando recebendo a visita de um desejo carnal dominador.
Quase sempre visitas noturnas.
Reluto muito em sequer pensar no assunto, mas é uma tentação me deixar seduzir.
Seria apenas um devaneio?
Não sei.
A verdade é que todas as manhãs acordo esperançosa
de ter um pedacinho da noite em minha cama.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

A beleza das coisas efêmeras é mais intensa.
Por vezes ando sonhando com um nascer de sol numa plantação de rosas.
Tão estranho, nunca estive em plantação de rosas.
Não costumo ver nascer o sol.
Gosto de sonhar, mas prefiro a racionalidade da vida.
Tenho plena convicção de que nada se faz com sonhos.
A realidade dura e isso basta.
Folhas de jornais velhos voando no asfalto quente das duas da tarde.
Realidade pura e simples.
Gosto de sonhar, mas às vezes sinto que não é o bastante.