quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

A NUVEM DE CALÇAS

Se quiserem,


serei apenas carne louca
e, como o céu, mudarei de tom.
Se quiserem,
serei impecavelmente delicado;
não serei homem, mas uma nuvem de calças!


Acham que é um delírio de malária?
Mas isto aconteceu:
aconteceu em Odessa.

Disse Maria: «Virei às quatro.»
Mas deram as oito.
E deram as nove.
E deram as dez.
E a tarde
da janela fugiu
para o nocturno horror,
umbroso
e dezembrino.



Ninguém poderia agora reconhecer
este gigante musculoso
que geme
e se contorce.



De que vale
ser de bronze
com um coração de ferro frio?
Entretanto fervem e saltam as rimas
de amor aos rouxinóis e outras bagatelas
e a rua contrai-se em pantomima –
não tem com quem cantar e discorrer.


Os Krupp fazem as cidades
com o cenho franzido
e a boca
cheia de palavras como mortos:
só duas vivem, engordando:
«sacana»
e ainda outra qualquer -
«sopa», parece.

Os poetas,
amolentados com soluços e choros,
abandonaram as ruas de melena no ar:
«Como se pode cantar com tais palavras
a mulher,
o amor
e as florinhas orvalhadas?»


Atrás dos poetas,
toda a nação:
estudantes,
prostitutas,
capatazes.


Senhores,
parem!
Não sois mendigos,
nada de pedir esmola!


Tirai, transeuntes, as mãos dos bolsos –
pegai em pedras, bombas e facas,
e quem não tiver mãos venha dar cabeçadas!
Venham, famintos,
suados,
sujos, submissos
e mordidos pelas pulgas!


Ai, para que é isto?
Donde vem isto?

(Vladimir Maiakovski)